“Defesa do casal Nardoni pedirá novo júri
A defesa de Alexandre Nardoni, 31, e Anna Carolina Jatobá, 26, vai pedir que seus clientes sejam julgados novamente.
A solicitação vai se basear em lei, em vigor na época do crime, que previa novo júri popular automático em casos de condenações iguais ou superiores a 20 anos de detenção. A nova legislação cancelou essa possibilidade cinco meses após a morte da menina, ocorrida na noite de 29 de março de 2008.
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Ela foi condenada a 26 anos e 8 meses de prisão, acusada de ter esganado Isabella. Ele pegou 31 anos e um mês por, segundo a Promotoria, ter jogado a própria filha, ainda viva, pela janela do sexto andar do prédio. A defesa informou ao juiz que recorrerá. O casal diz ser inocente.
De acordo com Roselle Soglio, advogada dos réus, no decorrer desta semana a defesa apresentará por escrito um recurso ao juiz Maurício Fossen pedindo o novo júri automático. 'O crime foi cometido antes da mudança do Código Penal e eles têm esse direito', disse.
Segundo ela, já há casos no Tribunal de Justiça de SP de julgamentos recentes refeitos com base na antiga legislação.
O advogado criminalista Romualdo Sanches Calvo Filho, presidente da Academia Paulista de Direito Criminal e autor do livro 'Manual Prático do Júri', concorda com a defesa. 'A lei mais benéfica da época do crime é a que deve ser aplicada, ainda que o júri ocorra depois.'
Para o advogado e professor da Faap Sergei Cobra, porém, o direito de novo júri automático é uma questão ainda em aberto e depende de interpretação do juiz. De qualquer forma, independentemente da alteração da lei, ele diz que o casal pode pedir novo julgamento. 'A apelação também pode dar essa oportunidade aos réus, se achar que a decisão foi contrária às provas.'
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Apesar de ter sido condenado a 31 anos de prisão, Alexandre, por lei, só poderá cumprir 30. Depois de permanecer dois quintos da pena em reclusão, o casal tem direito ao benefício da progressão penal, podendo solicitar o regime semiaberto. Para isso, Alexandre tem que cumprir pelo menos 12 anos de prisão em regime fechado e Anna Carolina, ao menos dez anos de detenção.
Como ambos já estavam presos, terão descontados dois anos desse tempo.”
Várias coisas interessantes nessa matéria:
1.a – A regra geral é que quando um crime é cometido antes de a lei mudar, mas o julgamento ocorre depois que ela muda (como no caso acima), se a lei que mudou for o que chamamos de uma leimaterial(por exemplo, o Código Penal, o Código Civil etc), prevalece a lei mais benéfica. Em outras palavras, se a lei antiga era mais benéfica ao réu, ela será a lei usada. Mas se a lei nova for mais benéfica, ela será a lei usada. Por exemplo, se a lei aumentou a pena, o juiz vai aplicar a pena da lei anterior (ou seja, quando a pena era menor). Mas se a lei nova estabelece uma pena menor, ou diz que o que quer que o suspeito fez deixou de ser crime, o juiz vai usar a nova lei. Por outro lado, a regra estabelece que quando a lei modificada foi uma leiprocessual(aquelas que estabelecem como o processo deve correr), o magistrado irá sempre usar a nova lei. Isso porque ela não aumenta ou diminui os direitos do réu, mas apenas estabelece como o processo de julgamento irá funcionar (ou seja, ela não estabelece se algo é ou deixa de ser um crime, mas apenas como o Judiciário irá levar o processo adiante para punir o criminoso).
1.b – A advogada do réu errou ao dizer que o que mudou foi o Código Penal. Não foi. A mudança à qual ela se refere aconteceu no Código deProcessoPenal. Ou seja, o que mudou foi o Código que define como o caso será julgado pelo Judiciário. Portanto, em teoria, o Judiciário usaria apenas a nova lei.
1.c – Embora a advogada esteja errada ao se referir ao Código errado, ela tem uma boa chance de conseguir um novo julgamento para seus clientes. Isso porque uma parte da doutrina diz que, se a lei processual realmente foi modificada para limitar os direitos dos réus, ela tem efeito de lei material, e por isso deve ser tratada como tal. Ou seja, o Judiciário deve usar a lei mais antiga – que era mais beneficia aos réus – ainda que ela fosse uma norma que estivesse dentro do Código deProcessoPenal. Acertou o professor da Faap: essa é uma questão ainda em aberto e vai depender da interpretação que o TJ der.
Mudando de assunto:
2.a – Nossa Constituição proíbe não só as penas de prisão perpétuas, mas também as penas decaráterperpétuo, ou seja, aquelas que são tão longas que seria como se a pessoa estivesse sido condenada a ficar presa para sempre. Por isso temos algo chamado somatório de penas. Somatório de penas significa que, todas as vezes que alguém é condenado a mais de 30 anos de prisão, as penas são somadas para que a pessoa não fique presa mais de 30 anos, e assim não fique preso de forma que se assemelhe à perpetuidade.
2.b – Na matéria acima ficou parecendo que aprogressãoe osomatório de penassão a mesma coisa. Não são. A progressão de regime é o direito da pessoa mudar de um regime mais pesado para um mais leve (do fechado para o semiaberto e do semiaberto para o aberto) na medida em que tiver bom comportamento e for cumprindo certas quantidades de pena (no caso acima, são 2/5 porque os condenados são primário em crime hediondo).
Agora, uma questão que ficou confusa e outra que ficou errada:
3 – Na última linha acima há uma referência há um outro instituto do direito penal: adetração. Detração penal significa que, depois de condenado, o Judiciário subtrai da pena a ser cumprida o tempo que o réu ficou aguardando a sentença preso. Assim, se alguém fica dois anos preso esperando o julgamento, e depois é condenado a 12 anos, só restarão 10 anos a serem cumpridos. Isso não é um benefício para o réu, mas apenas uma questão de justiça: se você já ficou preso enquanto ainda não se tinha certeza de sua culpa, depois que essa certeza aparece, o Judiciário subtrai.
4 – Por fim, há um erro no penúltimo parágrafo: a matéria se refere à mulher como detenta. Não, ela não é detenta pois não foi condenada à uma pena de detenção (aplicada aos crimes mais leves). Ela foi condenada à uma pena de reclusão (aplicada aos crimes mais gravas). Por isso ela é umareclusa. Na dúvida, é melhor usarpreso(a)que é o termo genérico que pode ser usado tanto para quem é condenado à pena de reclusão, quanto à pena de detenção, bem como a quem está aguardando o julgamento preso.